
País cai cinco posições no Ranking Mundial de Competitividade Digital, mas reúne destaques positivos, como o total de gastos públicos em áreas chaves.
Apesar do intenso investimento em transformação digital dos negócios, no global, o Brasil perdeu cinco posições no Anuário de Competitividade Digital do IMD. O relatório, que avalia 64 países, conta com a parceria técnica do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral (FDC).
O Brasil está em 57º, mesma posição que ocupou nos anos de 2018 e 2019, e teve queda em todos os fatores em relação ao ano passado. O País apresentou poucos destaques positivos, como o total de gastos públicos em educação (12º), representatividade feminina em pesquisas científicas (17º), produtividade em pesquisas de P&D (7º), robótica em educação e P&D (17º) e uso de serviços públicos online pela população (11º) são destaques positivos.
Por outro lado, a experiência internacional da força de trabalho (63º), habilidades tecnológicas (62º) e estratégias de gestão das cidades para apoiar o desenvolvimento de negócios (61º) estão entre os piores resultados brasileiros.
Na tabela abaixo, é possível observar o cenário brasileiro e identificar quais indicadores contribuíram para o desempenho do país.
O Brasil segue se destacando no montante de gasto público em educação (12º), em que o valor acumulou R$84 bilhões em 2022 contra R$76,3 bilhões em 2021. Em relação à pesquisa científica, o país sobressai pela porcentagem de mulheres pesquisadoras em relação ao mundo (17º) e pela produtividade de publicações em relação ao valor gasto em pesquisa e desenvolvimento no país (7º). Além disso, o uso de robôs em educação e pesquisa também foi destaque no Brasil, sendo o 17º país com maior quantidade de robôs para esse fim.
Em relação ao uso de serviços online que facilitam a interação do público com o governo, o país ficou com a 11ª colocação. Este destaque pode ser explicado em função dos 140 milhões de usuários na plataforma GOV.BR, que representam 80% da população brasileira acima de 18 anos, segundo os dados da pesquisa do Banco Mundial sobre maturidade digital dos governos.
Os pontos fortes brasileiros se concentram sobretudo no subfator “concentração científica”. Mas para avançar na pauta de transformação digital, governo e empresas vão precisar investir e construir uma agenda coordenada, em busca de resolver os desafios atuais.
O que ainda precisa ser resolvido?
Atenção 1: financiamento para desenvolvimento tecnológico e capital de risco
O financiamento adequado cria um ambiente propício para a aceleração do desenvolvimento tecnológico, catalisando a transformação digital em setores diversos, tornando-se assim, imperativo para que o Brasil consiga melhorar sua competitividade digital.
Mas a disponibilidade de capital para investimentos de risco e o desenvolvimento tecnológico estão entre os piores indicadores brasileiros em relação aos demais países.
Por outro lado, o planejamento e o comprometimento de investimento em tecnologia vêm se intensificando nos países de maior competitividade digital. Singapura (3º), desde a criação de seu plano para economia digital em 2014, elevou seus investimentos em 10% entre 2020 e 2022 e diversificou suas iniciativas, como por exemplo, a criação de programas de investimento e infraestrutura para startups em 2017 e o lançamento de centros de excelência em inteligência artificial em parceria com instituições e empresas em 2023.
Ademais, diante do quadro brasileiro favorável à concentração científica, e desfavorável para o investimento em desenvolvimento tecnológico, iniciativas de cooperação entre a atividade empresarial e científica se apresentam como oportunas para ganho de competitividade digital do país. O Ranking de Clusters Tecnológicos elaborado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual em 2023, aponta que os Estados Unidos (1º), Reino Unido (20º), Coreia do Sul (6º), Hong Kong (10º) e China (19º) concentram 80% dos 20 melhores polos tecnológicos do mundo.
Dessa forma, a estruturação de hubs e polos tecnológicos em parcerias público-privadas e acadêmicas-empresariais representam uma oportunidade para uma agenda de transformação digital no Brasil.
Atenção 2: ambiente regulatório
Apesar das aprovações do Marco Legal das startups e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, é necessário avançar na modernização do framework regulatório brasileiro para que sejam estabelecidas leis adequadas às necessidades e especificidades do contexto de desenvolvimento tecnológico contínuo.
A adoção de tecnologias digitais expõe novos dilemas e complexidades que não estão amparadas completamente no ambiente regulatório atual, como, por exemplo. a existência de vieses discriminatórios em algoritmos de processamento, direitos de imagem para uso em imagens geradas por IA generativa e novos ativos digitais que não estão sujeitos à intermediação de órgãos existentes.
Leis e regulamentos importantes que precisam ser endereçados no Brasil vêm sendo formulados e aprovados em países que se destacaram no Ranking de Competitividade Digital. Nos Estados Unidos (1º colocado) o governo aprovou, no último ano, a regulação de criptomoedas para proteger o consumidor e garantir estabilidade financeira, bem como orientar estudos em torno da viabilidade do dólar digital. No contexto de cibersegurança, a Holanda (2º colocado) vem avançando uma agenda internacional com o fortalecimento de uma embaixada e da diplomacia para a cibersegurança.
Atenção 3: uso de Big Data e Analytics
Segundo o Fórum Econômico Mundial, 74% das organizações devem adotar inteligência artificial (IA) em seus negócios até 2027. Isso ocorre sobretudo devido ao avanço da popularização da IA com capacidade de processamento de linguagem natural.
Nesse contexto, o uso de IA e analytics, a partir do Big Data, se apresentam como ferramentas com inúmeras aplicações para ganho de competitividade por empresas e economias, desde a transformação completa de processos, como oferta de produtos e serviços que possuem a inteligência artificial como cerne da proposta de valor.
No Brasil, é necessário a construção de uma agenda com maiores esforços para avançar na pauta. Em uma pesquisa realizada entre a Fundação Dom Cabral e a PwC, inteligência artificial teve baixa maturidade no contexto empresarial, com a menção apenas de 10% dos executivos sobre iniciativas com essa tecnologia.
Nesse contexto, iniciativas, como a do governo belgo (15º colocado) de desenvolvimento de plataforma de dados públicos para empresas, fomentam o uso e aplicação de dados no contexto empresarial.
Holanda (2º) também ampliou seus investimentos em inteligência artificial com a alocação de 116,5 milhões de euros para os 7 hubs estabelecidos para conectar stakeholders em projetos de IA pelo Fundo Nacional de Crescimento.
Atenção 4: habilidades para o Digital
Macrotendências digitais alteram drasticamente as habilidades para que empresas se mantenham competitivas e operantes no cenário de transformação digital. Segundo a pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral com o Fórum Econômico Mundial, em 2023, sobre o Futuro do Trabalho, estima-se que, no Brasil, 44% das habilidades dos trabalhadores sejam alteradas nos próximos 5 anos e que 60% da atual força de trabalho demande treinamentos.
Dessa maneira, empresas devem adotar uma agenda para upskilling (aprimorar competências existentes) e reskilling (competências totalmente novas), para que consigam operar no novo contexto de transformação digital.
Nesse aspecto, a adoção de educação digital no currículo de escolas vem sendo feita por países que se destacaram no Ranking. A Holanda (2º colocado) criou um plano mestre de mapeamento de competências e deficiências para o digital e está adotando reformas gerais na alfabetização digital. O governo da República Tcheca, que subiu 9 colocações no Ranking, incorporou a educação digital no currículo das escolas do país e criou um departamento para fortalecer programas de cooperação entre instituições de ensino, empresas e governo para cursos de lifelong learning.
A educação digital, portanto, se apresenta como um dos pilares essenciais, não apenas para que a base da população seja capaz de ingressar no mercado de trabalho, mas também, para que a atual força de trabalho seja capaz de atender às novas necessidades do contexto de transformação digital.
Atenção 5: talentos
O Brasil ficou em último colocado em relação a Talentos: com destaque no menor desempenho dos indicadores relacionados à experiência internacional de gestores seniores, presença de mão de obra estrangeira qualificada e estratégias de gestão de cidades para o desenvolvimento de negócios.
A análise do fator deve ser entendida frente ao contexto atual de aumento de competitividade por mão de obra qualificada entre países de alta e de baixa renda, conforme destacado no Índice Global de Competitividade de Talentos elaborado pelo Insead em 2023. O Relatório ainda ressalta a importância das cidades em reter talentos em suas comunidades, diante da continuidade do êxodo rural, com projeções para 70%, em 2030, no mundo todo.
Em busca de tornar suas cidades atrativas, Singapura (3º) incluiu, em sua estratégia para o digital Smart Nation, a pauta de smart city, com ações para autonomização dos veículos da cidade, adoção de tecnologias avançadas e IOT para gestão da cidade e investimento no centro comercial financeiro da cidade-estado.
Enfim, iniciativas como a de Singapura, sugerem a importância e necessidade de ações para que as cidades brasileiras sejam atrativas para o estabelecimento de negócios e atração de talentos.
Comportamento global
Os Estados Unidos retornaram a liderança do Ranking, após terem perdido a posição no ano passado, seguidos de Holanda (2º), Singapura (3º), Dinamarca (4º) e Suíça (5º). As últimas posições foram ocupadas por Botswana (60º), Argentina (59º) Colômbia (62º), Mongólia (61º) e Venezuela (64º).
Na Europa, apenas a Bulgária (55º) ficou entre os piores colocados, enquanto República Checa, Bélgica, Polônia e Holanda tiveram melhoras significativas na agenda para o digital, elevando os países em 9, 8, 7 e 4 colocações, respectivamente.
No continente asiático, Singapura manteve a liderança, enquanto, a Índia (49º) perdeu 4 posições em relação ao ano passado, sobretudo, pelo menor desempenho nos quesitos de tecnologia e preparo para explorar tecnologias digitais. Entre os 10 melhores classificados estão inclusos Singapura (3º), Coréia do Sul (6º), Taiwan (9º) e Hong Kong (10º).
Ainda sobre o continente asiático, China (19º) teve destaques positivos em resultados do PISA em matemática, adoção de robôs, maturidade para cibersegurança e produtividade em publicações científicas, mas no resultado geral perdeu 2 posições. Ademais, entre os países de pior colocação estão inclusas as economias asiáticas Mongólia (63º) e Filipinas (59º).
De forma resumida, o Anuário aponta a consolidação da América do Norte, Europa e Ásia no topo do ranking de competitividade digital, enquanto, alguns países latino-americanos continuam em posições inferiores. Os resultados também mostram que os 10 melhores e 10 piores países colocados, com exceção dos Estados Unidos e Holanda, tiveram piora em seus resultados de indicadores para a transformação digital.
“Os achados sinalizam que o desenvolvimento e a adoção de tecnologias digitais vêm ampliando cada vez mais a distância entre os países no topo e na base do ranking. Por isso, o ranking de competitividade digital reforça a importância de um maior envolvimento da esfera pública e privada na agenda de construção de uma nação digital, pela complexidade e necessidade de atuação em cooperação para superação de desafios”, explica Hugo Tadeu, diretor do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da FDC.
Visão geral do Ranking de Competitividade Digital
|
Fonte: adaptado de IMD World Digital Competitiveness Ranking 2023
Participe das comunidades IPNews no Instagram, Facebook, LinkedIn e Twitter.