
No final do “expediente” da última sexta-feira, 22/02, o Conselho Federal de Medicina (CFM) surpreendeu os mercados de saúde e de tecnologia ao expedir uma nota de recuo da decisão de regulamentar a prática de telemedicina no País, em especial a consulta por vídeo (teleconsulta), listando três razões atreladas a questionamentos de entidades profissionais.
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Segundo Rita Ragazzi, líder da vertical Saúde da Frost & Sullivan na América Latina, a surpresa da decisão ocorre pelo fato de que o órgão discutia os termos da regulamentação da telemedicina há pelo menos dois anos e também porque a própria telemedicina já é uma prática adotada em vários casos no país, assim como o teleaconselhamento, a teleradiologia “e até o acompanhamento de cirurgia a distância em alguns casos e condições”.
“A teleconsulta é que tem sido debatida nos últimos dois ou três anos. Me parece que a regulamentação foi algo ponderado tecnicamente, bem pensado neste período”, diz Rita, ao comentar que, para ela, a regulamentação foi motivo de comemoração, pois finalmente o Brasil daria um passo adiante.
A especialista da Frost & Sullivan, que acompanha o setor há 18 anos, também sugere que o debate seja assumido pelo Ministério da Saúde. Ela acredita que a teleconsulta é um benefício à saúde pública. “O recuo interessa à classe médica que ainda tem uma questão cultural e receio de perder a relação médico/paciente para uma interface tecnológica”, pondera.
Segundo Rita, esta é uma visão retrógada, uma vez que o uso de tecnologia para simplificar o acesso aos recursos de atendimento à saúde será inevitável, inclusive para reduzir custos.
Comentando sobre a prática em outros países, a especialista diz que o tema teleconsulta não é debate controverso em nenhum outro lugar. “Na Inglaterra, a teleconsulta ou consulta remota é algo que fortalece o serviço de saúde. Na Argentina é permitido. O Chile recentemente lançou um programa de hospital digital, que é completamente baseado em telemedicina, teleconsulta, teleradiologia e no conceito de consultório digital. O Peru também tem teleconsulta”, resume. “Todos reconhecem que é um aliado da medicina e um aliado dos governos para um atendimento maior e melhor à população”, afirma.
Como benefícios, Rita cita que a teleconsulta e a teletriagem evitam, por exemplo, que pessoas debilitadas visitem Pronto-Socorros e fiquem expostas a vírus e bactérias. Além disso, reduz o índice de reinternação ao permitir um acompanhamento mais próximo do paciente para evitar a necessidade de retorno ao hospital. “Também há vários casos na Inglaterra de uso de teleconsulta em navios”, diz.
Para a especialista, os grandes desafios da teleconsulta, além das questões técnicas de segurança na transferência de dados, é engajar mais o paciente no momento de transição do modelo convencional para o acompanhamento utilizando a tecnologia. Uma fase em que o paciente, segundo ela, precisa de assessoria mais vívida até se acostumar com o modelo virtual.
Rita Ragazzi também informa que a regulamentação da telemedicina, publicada pelo CFM na segunda semana de fevereiro de 2019, era comemorada por hospitais, operadoras de saúde e provedores de serviços de telecomunicações, além dos setores de infraestrutura de telecom, fornecedores de ferramentas de TI e telecomunicações. “Era uma oportunidade de negócio para todos, inclusive para o governo que pode reduzir filas e prestar um melhor atendimento à população”, diz.
Ela cita como exemplo que as operadoras de saúde poderiam entregar mais valor para o paciente e para as empresas, por reduzir o índice de faltas ao trabalho, além de desenvolver um mecanismo de redução de sinistralidade. Para os hospitais, Rita lembra que o recurso pode, ao final do dia, liberar os leitos para casos mais críticos, além de oferecer maior valor ao paciente, que é acompanhado com mais proximidade por especialistas e a equipe de enfermagem.
“Reconhecemos que existe espaço para fraudes e condutas fora do padrão ético, mas é possível mapear e restringir os riscos. Impedir o uso da tecnologia nesta área é um retrocesso”, finaliza.