O Congresso Nacional deverá apreciar, nos próximos dias, diversos projetos de lei que pretendem regulamentar a internet, criando novas condutas criminosas.
A internet está de novo na mira dos legisladores federais – e desta vez, parece, de forma definitiva. É que o Congresso Nacional deverá apreciar, nos próximos dias, diversos projetos de lei que pretendem regulamentar a internet, criando novas condutas criminosas.
Com a criação desses novos crimes, os crackers – que é como são chamados os especialistas mal-intencionados da internet – não terão vida fácil.
Entre as principais propostas desses projetos estão a criação de mecanismos para identificação dos criminosos. Caso os textos sejam aprovados como estão, o acesso não autorizado a computadores e redes passará a ser crime, assim como a destruição ou modificação de dados de terceiros e a disseminação de vírus.
Outro ponto positivo destes projetos de lei é a tipificação dos crimes de ofensa à honra e aos bons costumes com uso da internet. Com isso, a divulgação de fotos e vídeos ofensivos, especialmente em sites de relacionamentos, também passará a ser crime – um alento para quem já se sentiu prejudicado por essas práticas.
Liberdade e inclusão digital
Os projetos também consideram crime a divulgação de pornografia e de materiais que ofendam os bons costumes.
Há aqui boa margem para confusão, pois sempre existirão dúvidas do que é material pornográfico ou contrário aos bons costumes. Essa discussão já conta com vasta literatura – serviu até de argumento para cinema, em “O Povo Contra Larry Flynt” (1996), de Milos Forman – e representa potencial ameaça à liberdade de expressão e artística.
O mais grave é que, talvez pela falta de conhecimento técnico sobre o tema, os projetos de lei – caso sejam aprovados com os textos atuais – ameaçam ir na contramão das demandas populares e dificultar o acesso à internet.
Explica-se. Esses projetos prevêem a criação de um sistema capaz de identificar o usuário antes do acesso à internet. A instalação de tal sistema implicará em duas situações igualmente prejudiciais. Se o cadastro for suficientemente simples para que qualquer pessoa possa acessá-lo, então o sistema poderá ser facilmente burlado, e será ineficaz.
Por outro lado, o sistema poderia ser mais elaborado e supostamente mais seguro, mas isso acabaria afastando muitos usuários do acesso à internet, contrariando os esforços mundiais para expansão da inclusão digital.
Privacidade e direitos fundamentais
Outro ponto bastante controvertido é o que obriga provedores de acesso a armazenar os dados de conexão dos usuários à internet por até três anos.
Pela proposta inicial, estes dados estariam à disposição da polícia, que poderia ter acesso a eles quando necessário. Após severas críticas, este ponto da lei foi modificado. Pelo texto mais recente, os provedores estariam obrigados a armazenar as informações da conexão e a só fornecer os dados mediante ordem judicial.
Uma regulamentação do uso da internet no Brasil é bem-vinda, pois visa coibir práticas criminosas que ocorrem costumeiramente dentro da rede mundial. É preciso, no entanto, que os legisladores tomem cuidado para não cometer abusos e ferir os direitos fundamentais dos cidadãos que utilizam a internet.
Sem regulamentação, beiramos o caos eletrônico. Contudo, o marco regulatório da internet e o Direito em si não se prestam exclusivamente para punição e proibição, mas sim para regulamentação da vida em sociedade. E um dos cenários dessa sociedade é justamente a internet, ferramenta indispensável no mundo de hoje.
*Oliver Fontana é mestre em direito comercial e internacional pela Universidade de Virgínia (Charlottesville-VA-EUA), inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil e de Nova York. Formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o especialista foi acadêmico visitante na Universidade da Califórnia (Berkeley-CA-EUA) e na Universidade Pepperdine (Malibu-CA-EUA).